Apesar de existirem várias formas de se abordar o tema cor, o que me atrai nesse universo cromático é a sua utilização como um elemento de linguagem cultural e de impacto histórico. Cada tempo e contexto dá diferentes significados a cada cor.
Os processos de usos e percepção da cor não ocorrem de modo fixo, inalterável, mas trazem consigo marcas próprias de cada época e dos diferentes meios culturais. (Goethe)
Comecemos a falar sobre o roxo, cor que está ganhando evidência na atualidade. E é tida como a cor dos mais belos e doces pecados, do poder, da espiritualidade e intelectualidade. Muitos adjetivos são atribuídos ao violeta, tudo depende da interpretação das circunstâncias.
O roxo, ou violeta, está associado com diversos universos simbólicos. Como resultado da combinação entre azul e vermelho, cores psicologicamente opostas, a cor carrega a ambiguidade, masculino e feminino, sensualidade e espiritualidade.
Para começar, o roxo era a cor do poder, da riqueza e ostentação. Isso porque a cor era rara, muito difícil de ser produzida. Vestir-se de púrpura era um privilégio, pois o processo para a produção de uma indumentária levava anos, e passava por vários países e mãos: produção do pigmento, tingimento, tecelagem, bordados.
No Império Romano, aquele que usasse o violeta era punido com a morte. Somente o imperador, sua mulher e herdeiro podiam utilizar a cor.
Júlio César decretou que os senadores poderiam usar faixas púrpura na toga, porém ele era o único que podia trajar uma túnica inteiramente púrpura. Cleópatra, rainha do Egito, que não tinha que obedecer ao decreto de César, tingiu de púrpura a vela de seu barco. (Eva Heller)
Olhem aí a cor assumindo um significado de rebeldia e desafio ao poder. A cor púrpura carregava tanta representação, que foi banida pelos turcos após a conquista de Constantinopla. A gente vê algo parecido em ano que se assume um novo prefeito, a primeira coisa que fazem é pintar os bancos das praças de outra cor, ou seja, ainda considera-se um elemento identificador de poder.
O roxo tem uma grande representação no universo teológico, de acordo com Eva Heller, a cor simboliza a penitência e a sobriedade. É a cor do advento, expressa a humildade, sendo contrário ao significado vislumbrado anteriormente.
A contradição em relação ao púrpura violeta como cor do poder foi resolvida pela Igreja da seguinte forma: os reis governam mediante a força, enquanto os cardeais e a Igreja o fazem pelas vias da humildade. (Eva Heller)
Pauline Wills, em seu livro “Uso da cor no seu dia a dia”, explica que a cor púrpura era a mais sagrada na Idade Média. A explicação baseia-se no alto custo do pigmento. E também se vale da combinação entre azul, simbolizando o espírito, e o vermelho, representando o sangue, ou seja, sacrifício. O roxo também caracterizava a função e a autoridade clericais, sendo substituída posteriormente pelo vermelho, cor ainda mais cara.
Afirmando-se como a cor da ambiguidade, o roxo é tido como singular e extravagante. Ninguém usa o violeta atoa. A cor faz o indivíduo se destacar, e revela aquele que usa sem real apreciação, pois é necessário ter força para “segurar” o violeta. O roxo é correlacionado à originalidade e inconformismo.
É ainda a cor dos pecados doces e belos. Associada à vaidade, o que já foi tido como um pecado mortal, hoje é algo inofensivo, bonito de se ver, e que move um mercado milionário.
E falando em beleza, a sexualidade é outro pecado associado à cor, que tem mais sexo que o próprio vermelho, carregando uma dose de mistério. A associação entre as cores é indiscutivelmente sexy. Oscar Wilde definiu a sexualidade proibida como “as horas violetas no tempo cinzento.”
A “hora violeta”, aquele momento no fim do dia, que a tarde dá espaço para a escuridão, nem dia e nem noite. Nos mostra a cor como expressão de incerteza. Tanta sensualidade, dúvida e ambivalência nos faz vincular o roxo à mentira e à traição.
Em 1908, o roxo ganhou o significado de “liberdade e dignidade” ao se tornar parte do símbolo das sufragistas, combinado a ele o branco e verde.
“O violeta, como cor dos soberanos, simboliza o sangue real que corre pelas veias de cada mulher que luta pelo direito ao voto, simboliza sua consciência da liberdade e da dignidade. O branco simboliza a honestidade na vida privada e na política. O verde simboliza a esperança de um recomeço.” (Emmeline Pethick-Lawrence citada por Eva Heller).
As cores identificavam mulheres e homens que eram a favor do movimento. Eram de fácil acesso à época, não sendo necessário investir em compras.
A cor violeta também representa a homossexualidade, sendo até mesmo utilizada como sinal de identificação. Uma mão roxa foi símbolo do movimento “Gay liberation”. Em 1969, houve uma manifestação em São Francisco, um periódico havia publicado artigos contra os homossexuais, um grupo foi até o local e foi recebido pelos funcionários do jornal com tinta violeta pela janela. Os manifestantes utilizaram a tinta e imprimiram suas palmas sobre os muros do prédio.
Os eventos aqui narrados mostram como a cor é um elemento com valor histórico, com significações modificadas de acordo com o contexto.
REFERÊNCIAS (Em ordem de relevância para o texto):
HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. 2013.
GUIMARÃES, Luciano. Cor como informação: a construção biofísica, linguística e cultural da simbologia das cores. 2000.
GOETHE, Johann Wolfang von. Doutrina das cores. 2013.